Ética e Estética em uma linha que segue a arte

Considerada um dos grandes nomes das artes plásticas brasileiras da contemporâneidade, Guilmar Silva ( 1943-2008) recebe neste mês de maio uma merecida homenagem por sua trajetória artística.

A Homenagem à artista se dá por um conjunto de eventos nos dias 13 a 15, que inclui uma conferência com renomados artistas da cidade, lançamento do livro " Ética e Estética de Guilmar Silva"
, exposição com algumas de suas principais realizações artísticas e uma palestra com a professora e crítica de arte Angélica de Moraes ( SP ) entitulada " Pintura Expandida"

Para Estela Snadrini, curadora da exposição, a seleção de obras é a resposta para uma pergunta que muitos artistas se fazem: porque pintamos? " Depois da pesquisa que fiz no ateliê de Guilmar, percebi que sua obra responde de forma concreta a este questionamento que nos fazemos" conta Estela.

Profissional múltipla, a artista Guilmar Silva deixou belas marcas em todas as atividades das quais fez parte, refletindo sua responsabilidade forte no cenário artístico paranaense. Além das diversas exposições, cursos e prêmios que sua arte resultou, administrava com ética e sabedoria a agenda cheia e a porta da sua sala, no solar do Barão, sempre aberta para colegas e artistas.

Como coordenadora do Solar, costurou com maestria o tecido que muitos chamavam de relações sociais, transformando sua energia em ações reais para a revitalização do espaço, que resultou na abertura de ateliês, disponibilização de espaços para exposições de maior importância entre outras realizações.

Programação:

Dia 13/05/2009 às 17h
Mesa-redonda com Estela Sandrini, Maria José Justino,
Simone Landal, Jô Kawamura e Fernando Bini
Tema | Ética e Estética nas Artes Plásticas
Local | Sala Scabi – Solar do Barão*
Dia 13/05/2009 às 19h
Abertura
A exposição contará a trajetória da artista plástica Guilmar Silva e fará uma retrospectiva de sua produção artística, mostrando uma coleção completa de gravuras e desenhos, bem como diferentes fases e técnicas de sua pintura. Será exibido um vídeo com depoimentos de artistas e pessoas ligadas a Guilmar, revelando seu talento e personalidade.
Na mesma ocasião, será lançado, o livro “Ética e Estética de Guilmar Silva” – de autoria de Estela Sandrini, Silvio Silva Junior e Fabiana Vieira Silva Wendler –, com toda a obra da artista e passagens relevantes de sua história.

Dia 15/05/2009 às 18h30
Palestra com a crítica de arte e professora Angélica de Moraes (SP)
Tema | Pintura Expandida
Local | Sala Scabi – Solar do Barão*

Curitiba Apresenta- Guia Cultural Oficial da Cidade. Maio 2009



Ética e Estética de Guilmar Silva"
Estela Sandrini, Fabiana Wendler e Silvio Silva Juinor

Consagrada pelas suas obras, Guilmar Silva foi uma artista de destaque, influenciando o desenvolvimento cultural da cidade. Neste mês, a pintora ganha uma homenagem mais do que merecida; um livro que conta um pouco da história desta incansável artista plástica, com textos de amigos e colegas, como Thereze lacerda e Marcio Renato dos Santos, além de imagens de suas telas. Guilmar graduou-se em artes plásticas, pela Escola de Belas Artes do Paraná ( 1971).
Em sua trajetória, a catarinense atuou como curadora em diversas exposições da casa da memória e coordenou o Solar do Barão.

De canelas para o Ar

Oito invernos atrás, uma intoxicação provocada por tintas pregou um susto danado na artista plástica Guilmar Silva. A sentença, quase mortal, era de que não poderia mais pintar. Teimou e ainda fez uma exposição na Galeria Banestado, em 1992. Depois se aquietou, compensada pelos muitos projetos em que se viu envolvida na Fundação Cultural, onde trabalha. São páginas viradas no seu folhetim. Num intervalo da montagem da mostra-instalação Paranaguá 350 Anos, em cartaz no Memorial de Curitiba, Guilmar relembrou aqueles dias de infortúnio e o inesperado bem que acabaram lhe fazendo. Quinta-feira, no Metropolitano, ela rompe o jejum e apresenta parte das 23 telas produzidas entre 1997–1998, todas em grandes dimensões, generosas o bastante para celebrar esse alegre retorno.

“Aquela Guilmar não existe mais”, declara, muito falante e de posse de uma simpatia quase lendária. Desta não abre mão. Quanto ao resto, que não se espere a pintura contida e racional das fases anteriores, nem a profusão de ocres e cores baixas, marcas registradas de Silva. Seu feitio de agora abusa dos vermelhos, amarelos e azuis, aplicados quase sempre de forma explosiva, sem amarras, obedecendo aos ritmos do inconsciente – tal como insiste em dizer. O apreço pela abstração também permanece em pauta, mas não remete mais às “paisagens urbanas” de outrora, antes sim recorre a um frenético uso de pinceladas cujos resultados ficam à mercê da imaginação do espectador.

O seleto grupo de amigos e parentes que já puderam ver as obras deram à artista, de antemão, as respostas que desejava. Uns enxergam gatos, outros Quixotes em levante, ou ainda naus à deriva. Compraz-se com as múltiplas versões defendidas por gente como o designer gráfico Silvio Silva Jr, seu filho e um dos críticos mais contumazes. Todo palpite vale a pena porque Guilmar está desincumbida de dar nome às coisas. Seu verbo do tempo presente é o “descontrolar-se” – um benefício da idade, garante. “Aos 56 anos posso me dar este direito”.

A jurisprudência da vontade e a crença de que em arte não existem contraindicações licencia Silva à utilização de colagens, o que faz sem receios, somando às telas jornais e papéis rasgados. São seu passaporte para o imprevisível. É o caso de uma notícia publicada sobre a peça Mais Pesado Que o Ar, de Denise Stoklos – uma homenagem da performer a Santos-Dumont. Parte da matéria acabou não sendo atingida pelas tintas, um “descuido” que sugere tantas leituras quantos forem os olhares. Incluindo a da autora, claro.

“Depois destes anos todos em que fiquei meio afastada, acabei deixando nascer uma asinha. Estou me sentindo pronta para levantar voo”, dispara. E arremata: “Não que eu esteja a fim de virar a mesa com os quatro pés para cima. Quero dar uma inclinadinha (risos) e ver o que cai pelo chão”.
A brincadeira procede. Às vésperas de mostrar a cara novamente, Guilmar quer mesmo o tempo e o espaço a seu dispor e pagar para ver o tamanho do rombo. Tal liberdade expressiva se instalou desde que se deu conta de que uma sobrevivente interior – uma moça bem-comportada – vivia insistindo para que mantivesse firme a rédea de todas as situações.

A moça, inclusive, sentava diante do cavalete, ouvindo Vivaldi, e determinava a ordem das coisas – do tamanho do gesto à intensidade da cor.
Os anos de abstinência e algumas sessões de análise se incumbiram de sabatinar a docilidade. E por vezes
quase reprová-la por justa causa. “Eu era muito cerebral. Estava na hora de dar um basta naquilo tudo. Passei por todo um processo de formação de controle – controle de pai, de mãe, de marido, de sociedade. Tinha de ser uma mulher afável. E eu sempre fui. Agora não mais: ou me descubro de vez e desarrolho tudo ou não vou conseguir nada. Não tenho mais estrutura para romper a minha vida pessoal. Mas na vida artística tudo pode acontecer: a tela em branco é onde eu posso expressar meu empenho em decolar”.

O público certamente não vai cerrar os olhos para o combate travado com esse inimigo íntimo, que digladia no centro da mostra. Alguém ali fala de si e avisa estar fazendo arte com todas as entranhas. “Antigamente era como se eu não abrisse nada do meu interior. O espectador não via coisa alguma. Estava na hora de me redimir”. Por conta disso, Silva acabou por creditar uma “perigosa” autonomia às imagens que produz. Indomáveis, vindas de um “transe”, são jazzísticas musicais. “É como se as imagens estivessem me dizendo – Guilmar, você se conhece muito menos que imagina” Pintar – garante – nunca mais foi a mesma coisa.

Os impulsos pessoais ganharam lugar de honra no ateliê, o que não é pouco na escala Riechter – posto que de 0 a 10 oscilam entre a euforia, o desânimo ou a suavidade de um fim de tarde. O abalo sísmico tem valido a pena. O gesto se abre sem reservas e a velocidade, de algoz, passa a aliada. O vocabulário visual não mais bate continência à composição e suas normas. Um mergulho em águas turvas, por que não? “Olho tudo de longe e percebo tantas reminiscências escondidas
naquele vulcão de cores. É de dar nó na cabeça”.

José Carlos Fernandes
Gazeta do Povo - Caderno G. Curitiba, 23 de junho de 1998.